quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Invasão Noir (Proposta de Campanha)



Saudações, caros pirados.


Estava eu aqui revendo algumas coisas velhas, e lembrei de um cenário que estava bolando alguns anos atrás, trata-se da versão anos 50 do Invasão, entretanto, pelo ponto de vista dos traktorianos...

Enjoy!





A porta estava entreaberta, mas ela não se importava. Estava na mesma posição havia meia hora: sentada, abraçando as pernas encolhidas contra o peito, usando somente sua pele branca, agora com um ou dois hematomas nos braços e seu longo cabelo negro molhado de sangue.

A luz do corredor falhava, despejando flashes contínuos no seu rosto pálido através do vão da porta. Por um momento, achou que acompanhavam as batidas calmas e segmentadas de seu coração, mas foi interrompida quando ouviu a banheira transbordar.

Levantou-se e foi andando desajeitadamente até a porta, fechou-a e seguiu em direção ao banheiro. Quando entrou, não resistiu em olhar para o espelho. Sua imagem encantadora de uma mulher nua, jovem e ensangüentada não podia ser destruída nem mesmo por seus hematomas nos braços e no canto do nariz, o que não deixava de ser muito sensual.

O chão estava molhado. Limpou um fio de sangue que escorria de seu nariz. Ela entrou na banheira antes de desligar o chuveiro, abraçando o corpo da mulher morta. Sua mãe.

"Eu te amo, Abigail" disse olhando para a cratera gotejante que era o seu rosto. A moça sentiu uma sensação agradável enquanto dentro da água, ignorando totalmente todo aquele sangue, sentindo os vapores do recinto. Permaneceu assim por algum tempo.

...
Onze horas e meia depois, ela abandonava o prédio formalmente vestida e com um grande saco plástico preto na mão esquerda. Exageradamente maquiada.

As ruas estavam agitadas naquela manhã. Depositou o saco em uma lixeira no beco ao lado. "Adorei ser você. Nunca vou te esquecer, Abigail. Prometo." No momento seguinte, já havia se misturado à multidão.



O Invasão

Invasão é um cenário maravilhoso. Apesar do tema manjado, ele abre muitas possibilidades para aventuras interessantes. O clima de conspiração é ótimo para ser explorado na mesa.

Mas nem tudo são flores. Assim como boa parte do material da Editora Daemon, considero o Invasão um excelente material de pesquisa mesclado com ficção. Entretanto, as informações são todas jogadas para o leitor/narrador, são mal explicadas e desconexas. Um bom exemplo disto são as raças alienígenas.

O cenário original no qual se baseia o jogo é o Espada da Galáxia, um romance de ficção científica escrito por Marcelo Cassaro, que aborda a guerra entre duas raças alienígenas, os metalianos e os traktorianos.

Metalianos são uma raça que evoluiu de insetos e tem uma sociedade e psicologia de colmeia. Seus corpos, assim como seu planeta natal, são compostos de uma liga metálica extremamente resistente e tem cerca de 3 metros de altura. Em síntese, os corpos desta espécie estão em um nível evolutivo muito alto, sendo fortíssimos e quase indestrutíveis. Os metalianos são totalmente devotados à sua rainha-mãe, como as abelhas e formigas.

Seus opositores são os traktorianos (meus preferidos), uma espécie que evoluiu de moluscos, mas que foi, ao longo de milênios, modificando seus corpos afim de melhorá-los, amputando membros e colocando próteses cibernéticas ao ponto de serem atualmente, somente cérebros em corpos robôs. Eles logo descobriram que podiam usar corpos de outras espécies como hospedeiros para seus cérebros e isto, junto ao sua obsessão por corpos cada vez melhores, os levou a entrar em guerra contra os metalianos em busca de seus corpos biometálicos.

E esta guerra eventualmente chegou à Terra.

Não me lembro com detalhes da história, mas, ao que parece, um grupo de traktorianos descobre a localização do planeta Metalian, terra natal dos metalianos e onde reside sua rainha. Ao saber disto, um grupo de guerreiros metalianos tenta impedir que os traks contatem o restante de sua espécie e transmitam esta informação. Em sua batalha, acabam caindo na Terra.

E é aí que começa a ideia desta campanha...




50's ou Invasão Ano Um ou ainda Invasão Noir

A simples proposta desta campanha é: vamos jogar com traktorianos?

Esta ideia é como a onda que começou nos anos 90 de jogar com as criaturas que antes eram caçadas, como vampiros, lobisomens, etc. Porque não jogar com invasores da Terra? 

Os traks são interessantíssimos e excêntricos. Algumas de suas características são:
  • Não têm corpos naturais, sendo apenas cérebros alienígenas. Para se protegerem, se locomoverem e interagirem com o ambiente usam corpos cibernéticos ou roubam outros corpos biológicos. Seus cérebros traktorianos são bem frágeis e vivem pouco tempo sem um hospedeiro.
  • São tecnologicamente avançados. Sua ciência, principalmente a cibernética e seus armamentos, é muito desenvolvida em relação à nossa.
  • Esqueceram como é ser "vivo". Os traks viveram tanto tempo em corpos mecânicos que esqueceram como são as sensações próprias de seres biológicos. Para eles, são deslumbrantes os primeiros contatos com as sensações animais. Se um trak não for cuidadoso, pode acabar se perdendo na busca pelo prazer carnal (em todos os sentidos, desde belos odores e imagens até drogas e sexo).
  • E o mais importante, eles são obcecados pelos metalianos. Ter um corpo metaliano é o sonho de consumo pra todo traktoriano. A simples chance de se apossar de um espécime desta raça, pode fazer os traks tomarem medidas drásticas.
E, já que vamos interpretar estes seres, nada mais interessante do que fazer isso na época em que as histórias de alienígenas se popularizaram, os anos 50. Nesta época, o homem ainda não havia pisado na lua, Elvis Presley e Merilym Monroe eram sucesso e a Guerra Fria era presente (o que pode ser ótimo pra ressaltar o clima de conspiração).

A grande sacada de jogar com traks é que seu personagem é um "cérebro alienígena que invade corpos". Basicamente, seu personagem tem duas fichas: uma para o traktoriano com as características mentais, que são fixas, e uma com as características físicas para o hospedeiro, que pode ser (e provavelmente vai) ser trocado durante o jogo. Não é maravilhoso?

Lembrei deste conceito que eu tinha bolado muito tempo atrás quando li uma resenha sobre o Eclipse Phase, um jogo que parece muito interessante e que também aborda, dentre outras coisas, a ideia de corpos "descartáveis".

Ao criar um trak, o jogador dispõe de 60 pontos de Atributos, mas só pode distribuí-los nos Atributos Mentais (INT, PER, CAR e VON), e INTx15 pontos de Perícias. Estas Perícias devem ter a ver com suas ocupações e não precisam ser exclusivamente mentais, já que o trak empregará Perícias físicas ao usar um corpo (embora estas tenham bônus de Atributo variáveis de acordo com o hospedeiro ou robô que o trak esteja usando).

Quando invade um corpo humano, o jogador lança 3d6 pra cada Atributo Físico (FOR, CON, DES e AGI) e anota estes valores, mas quem diz qual valor colocar em cada Atributo será o narrador que, supostamente, sabe melhor do que o trak o potencial do hospedeiro. Soma-se os valores de Atributos Físicos às Perícias Físicas que o trak tenha.

Os traks vão aos poucos assumindo cargos de poder no governo humano, trocando de hospedeiros, mas são muito cuidadosos durante este processo, pois sabem o quão vulneráveis são sem um envólucro que os proteja.

Os objetivos mais importantes para os traks na Terra são assumir o controle de corpos metalianos e contactar o restante de sua espécie. Vale lembrar que boa parte de sua tecnologia foi avariada durante seu pouso forçado em batalha contra os metalianos. Eles precisam acessar a tecnologia de ponta da Terra dos anos 50 para conseguir enviar esta mensagem.

Narrando esta campanha, pode-se começar com os traks já estabelecidos em corpos humanos ou, melhor ainda, começar com eles fugindo dos metalianos em uma batalha espacial e caindo na Terra. Desta forma, pode-se ressaltar o primeiro contato deles com os humanos, mas não esqueça de quebrar os brinquedos mais fortes deles pra que os jogadores não tenham a infeliz ideia de dominar o planeta à força (a menos que isso interesse o grupo, claro).




Algumas Discrepâncias Interessantes

Até aqui, o contexto está razoavelmente fiel ao Invasão, apenas voltamos na linha do tempo do cenário. Agora é que as coisas mudam.

Não tenho mais o livro, mas até onde me lembro, os traks não têm acesso a poderes psiônicos, sua vantagem era mais o conhecimento tecnológico e sua habilidade de roubar corpos. Costumo mudar isso ao narrar "Invasão Noir".

Na minha versão, os traks despertam poderes psiônicos quando hospedados em corpos humanos. É como se o sistema nervoso humano funcionasse como uma "antena" e passasse a interagir com este campo e sua energia. Os traks têm há muito tempo este potencial, mas por terem se separado de sua espinha dorsal não o desenvolveram. Apenas uma explicação pseudo-científica que funciona pra mim e para o meu grupo.

Na prática, cada vez que um trak assume um corpo diferente, seu jogador sorteia quais poderes o hospedeiro desenvolverá. O método do sorteio fica a cargo do mestre, já que o Daemon possui vários sistemas de poderes diferentes (o que uso, por exemplo, adaptei de outros jogos).

A cada nível de personagem que o jogador permanece em um corpo, vai desenvolvendo seus poderes, mas também precisa fazer testes de Força de Vontade pra se lembrar que não é humano, é um invasor traktoriano. Se ficar muito tempo em um corpo, o narrador pode exigir do jogador testes de coragem (VON) para abandonar o hospedeiro, já que trak se sente seguro ali e tem medo de abandonar esta casca.

Alguns traks podem acabar gostando de ser humanos (e psiônicos), terminando por desistir de sua missão. Isso pode gerar boas histórias.

Enfim, esta é apenas uma ideia para jogar Invasão com um toque diferente. Como vocês podem ver, não me aprofundei muito nas regras, mas não é nada difícil de fazer. Talvez, em um futuro não muito distante, eu me habilite a editar um e-book decente com o cenário. Até lá, se virem (rs).




Eu queria que fosse diferente.

Minha neta vai se casar. A minha família não gosta da idéia, mas não cairia bem deixarem de chamar o velho. Sabe, eu não vejo minha "espoletinha" desde que ela tinha treze anos.

E minha família me acha um velho senil e chato.

Eu queria que fosse diferente.

A enfermeira que cuida de mim, Marta ou Rita, eu não consigo lembrar -- acho que ela finge que não se importa --, tem o terceiro maior sorriso que eu já vi. É fácil distinguir o seu sorriso mesmo com esses olhos velhos.

Ela não sabe que eu sei sobre ela.

Eu queria que fosse diferente.

A vida fica meio estranha quando ninguém acredita em você, ou será que o certo é "ninguém acredita em você quando você é estranho"? Seja lá o que for esse presente, eu daria tudo pra não ter isso.

Quando o avião em que você está despenca e você é o único filho da puta que sobreviveu e você tenta explicar que um homem-formiga-de-metal-gigante enfiou alguma coisa na sua nuca e desde então suas vistas ficam meio como um vidro embaçado numa tarde chuvosa, eles te mandam pra casa como o velho imprestável que você se tornou.

Mas não é só. Depois de algum tempo, o infeliz nota que a cabeça de algumas pessoas "brilha". O mais engraçado é que você tem noção do que é. Apesar de não lembrar, ele te contou o que é isso.

Duas semanas atrás, percebi que a cabeça da Rita -- ou seria Marta? -- emite um brilho forte que esconde o seu sorriso. Fico imaginando o que eles querem com um velho coronel aposentado. Eu incomodei alguém com minhas histórias ou ainda me resta alguma dignidade pra eles se aproveitarem dela?

Eu gostava da Marta, ela foi minha única companhia nesses dois últimos anos.

Provavelmente ela sabe que eu sei. Ela também sabe que tem uma Magnum com quatro balas na gaveta da mesinha do lado da cadeira que eu tô sentado. Minha enfermeira é uma moça jovem e ágil, talvez esteja querendo testar a mira desse velho senil e quase cego.

Eu realmente queria que fosse diferente...


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